sábado, 26 de outubro de 2013

Direitos inegáveis, abusos intoleráveis*

Por Fernando Grecco e Patrícia Sbrana 
“Nenhum animal será submetido a maus-tratos e a atos cruéis... quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra.” (Declaração Universal dos Direitos dos Animais, 1978 - Unesco)

        É curioso observar que os grandes expoentes do Iluminismo discorreram, em certa medida, sobre a necessidade em se ter compaixão pelos animais. Encontramos citações em Rousseau, Voltaire, Thomas Paine, Jeremy Bentham, e posteriormente em Kant e Schopenhauer. Todos apregoavam a extensão do direito à vida aos animais como condição necessária para uma sociedade evoluída ética e espiritualmente.  No entanto, quais foram as implicações disso? Fatalmente, a mentalidade de respeito aos animais é inerente a concepção humanística trazida pelo Iluminismo, mas que se confronta com ignominiosos interesses do sistema econômico e da minoria que dele se favorece. No caso específico dos animais, os tratamentos a eles dispensados estão muito aquém do razoável, flutuando entre o sádico e o cruel.
Infelizmente, a perversidade cometida pelo Instituto Royal, manchete dos principais jornais da semana, está longe de ser uma exceção. Sabemos que os laboratórios de produtos cosméticos e farmacêuticos praticam testes em animais, corroborando com torturas e maus-tratos que muitas vezes, de forma cínica, são justificados pelo discurso desonesto do “avanço da ciência”. No caso da indústria farmacêutica, há um agravante: ela se veste de uma roupagem quase filantrópica quando propaga que testes dessa natureza são necessários para o desenvolvimento de fármacos que trarão benefícios à saúde humana. Não é verdade. Filantrópico seria se produzissem remédios e os distribuíssem gratuitamente a todos que necessitam. Seu objetivo único e primordial é lucrar bilhões de dólares anualmente com seu comércio que, no Brasil, em termos de faturamento, fica atrás apenas dos bancos e da indústria automobilística.
Havemos de considerar também que o avanço tecnológico já permite que os métodos substitutivos de pesquisa tenham eficácia superior àqueles realizados com animais. Trata-se de uma tendência mundial que o Brasil, ou quem se beneficia financeiramente disso, parece não se interessar. Recentemente, a União Européia deu um passo no sentido de restringir o uso de animais em laboratórios, uma vez que boa parte dos países europeus já havia proibido essa prática seja nas universidades ou em instituições privadas. No Brasil, o atraso ainda é preocupante. A Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, proíbe expressamente a experimentação, ainda que para fins didáticos, quando existirem métodos alternativos. Métodos alternativos sabemos que existem. E, se existem, a vivissecção deveria ser considerada tacitamente proibida.
É sabido de todos que não há compatibilidade entre “elevados conceitos humanísticos” e a prática capitalista. São excludentes na sua essência. Isso explica a busca incessante de lucro, independentemente se os princípios de uma causa tão nobre como essa estejam sendo violados, mesmo eles encontrando respaldo jurídico, ético, moral ou mesmo religioso. Dessa forma, a luta pela proibição definitiva de testes em animais não deve ceder às grosseiras pressões midiáticas a favor de torturadores que visam, somente, a perpetuar uma prática cruel contra seres que, indubitavelmente, devem ser acolhidos na sociedade como símbolo maior da perfeição natural, e não como subproduto para alimentar a cobiça e a ganância de uma minoria.  

Fernando Grecco é articulista político.
Patrícia Sbrana é vice-presidente da Associação Amigos dos Animais de Votorantim.

* Artigo publicado originalmente no jornal Gazeta de Votorantim em 26/10/2013.

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